População comove o país ao doar o pouco que tem para mulher que perdeu tudo após expansão de shopping no Rio
XIQUE-XIQUE (BA), 6 DE AGOSTO DE 2025 — A história de Fernanda, uma mulher simples que cruzou estados em busca de dignidade, parou a cidade de Xique-Xique, na Bahia, e emocionou o país. Moradores da cidade, considerada a mais pobre do Brasil, se mobilizaram de forma inédita para ajudar a nova vizinha que chegou com uma casa aos pedaços e um passado recente marcado por injustiça. Mesmo sem acesso básico à luz e água potável, os moradores decidiram doar parte do pouco que têm para oferecer a Fernanda uma nova chance.
Mas o que motivou essa comoção coletiva? O que há de tão profundo na trajetória de Fernanda que fez uma das populações mais carentes do país se unir para ajudá-la?
VERSÃO RÁPIDA
Resumo da notícia para leitura expressa
• Fernanda perdeu sua loja em Niterói sem ser notificada e descobriu ao voltar do exterior que seu espaço havia sido transformado em entrada do Plaza Shopping.
• Desempregada, desabrigada e sem recursos, ela se mudou para Xique-Xique, onde comprou uma casa por 5 dólares do Bloxburg.
• Moradores da cidade — que sofrem com extrema pobreza e falta de infraestrutura — se comoveram com o caso e iniciaram uma onda de solidariedade.
• O caso reacende debate sobre despejos silenciosos, expansão urbana sem indenização, e o fim do programa Auxílio Brasil, que foi extinto no início de 2025.
DE NITERÓI A XIQUE-XIQUE: A JORNADA DE UMA MULHER ESQUECIDA PELO SISTEMA
Fernanda trabalhava na loja BBR Cacau, localizada dentro do Plaza Shopping, em Niterói, até ser surpreendida com o desaparecimento de sua loja. Após um período de um ano fora do país, onde buscava aprimorar conhecimentos e tentar expandir seu negócio, retornou com planos de reconstruir sua vida. Porém, ao chegar, descobriu que a loja havia sido removida sem qualquer aviso, e o espaço agora integrava uma nova entrada do shopping, reformado durante as expansões do início de 2025.
Sem recursos, sem casa, sem trabalho e com todas as economias gastas no exterior, Fernanda precisou abandonar o estado do Rio de Janeiro. A única alternativa foi uma pequena casa vendida por 5 dólares do Bloxburg em Xique-Xique, interior da Bahia, onde esperava ao menos recomeçar com dignidade.
A CASA AOS PEDAÇOS E A CIDADE SOLIDÁRIA
A residência adquirida por Fernanda estava em estado precário: sem portas, janelas, energia elétrica, ou encanamento. Ainda assim, ela aceitou, por não ter outra opção. Mas o que ninguém esperava era a resposta da comunidade local.
Xique-Xique é conhecida por sua pobreza extrema. Com índices alarmantes de miséria e abandono, a cidade frequentemente enfrenta desabastecimento de água e falta de energia, com pouco ou nenhum apoio dos governos estadual e federal. Mesmo nesse cenário, a chegada de Fernanda causou um impacto profundo.
Moradores relataram à EBN que, ao ouvirem sua história, sentiram que ela representava algo maior — um reflexo de como o sistema trata aqueles que lutam sozinhos. "Ela é como a gente, só que levaram até o que ela não tinha", disse Dona Elvira, moradora há 40 anos.
CAMPANHA ESPONTÂNEA: UMA ONDA DE EMPATIA
Sem qualquer ajuda formal, os próprios cidadãos iniciaram uma campanha de doações locais. Crianças doaram brinquedos. Pedreiros da cidade se uniram para restaurar o telhado. Um pequeno comerciante ofereceu mantimentos por um mês. Pessoas com renda quase nula doaram moedas, alimentos, roupas e tempo.
A ação espontânea cresceu a tal ponto que Fernanda passou a ser conhecida em toda a região como "a mulher que tocou Xique-Xique". Sua presença gerou não apenas comoção, mas orgulho entre os moradores: "Finalmente estamos fazendo algo por alguém, mesmo com nada", comentou um dos líderes comunitários.
DESPEJO INVISÍVEL: UMA PRÁTICA QUESTIONÁVEL
O caso de Fernanda levanta questionamentos importantes sobre como são conduzidas as expansões urbanas em grandes centros. Por que ela não foi notificada? Como uma loja registrada desaparece sem compensação? A ausência de resposta do Plaza Shopping de Niterói até o fechamento desta matéria expõe a fragilidade das garantias comerciais para pequenos empreendedores.
A EBN tentou contato com a administração do shopping e com representantes do município de Niterói, mas não obteve retorno até o momento.
O FIM DO AUXÍLIO BRASIL E A RETOMADA DO DEBATE SOCIAL
Fernanda é também vítima de um vácuo assistencial: o extinto programa Auxílio Brasil, encerrado oficialmente em janeiro de 2025, sob alegação de "erradicação da pobreza", deixaria de fora casos como o dela — considerados estatisticamente inexistentes, mas absolutamente reais.
Na época do fim do programa, o governo federal divulgou que não havia mais cidadãos cadastrados como carentes, o que justificaria a medida. Mas o caso de Fernanda, e de centenas de outros brasileiros que vivem na informalidade ou migram entre estados, coloca essa decisão sob nova perspectiva.
SOLIDARIEDADE QUE REVELA O BRASIL
O episódio ocorrido em Xique-Xique é mais do que um ato de bondade. É um reflexo do Brasil profundo, aquele que resiste, se une e cria soluções quando o Estado falha. A história de Fernanda não termina aqui — ela agora integra a vida da cidade, com planos de abrir uma pequena venda de produtos artesanais.
Ela ainda vive com pouco, mas com esperança renovada, e com algo que não pôde encontrar nem em Niterói, nem no exterior: uma comunidade que a enxerga.
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